Acometidos por um estado de surto coletivo desde o dia 30 de outubro, depois da confirmação da vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro, bolsonaristas fanatizados estão de plantão em grupos de WhatsApp trocando palavras de ordem contra o presidente eleito, teorias da conspiração das mais inventivas e toda a sorte de lenga-lenga típica de maus perdedores.
Inconformados, os eleitores do ainda presidente estão convencidos de que conseguirão reverter no grito a derrota acachapante de Bolsonaro – que agora, além das rachadinhas, dos sigilos de 100 anos, da negligência criminosa durante a pandemia e dos 51 imóveis comprados com dinheiro vivo, também será lembrado como primeiro presidente da história do Brasil a não conseguir a reeleição.
No dia 31 de outubro, tive acesso a um desses grupos, organizado por um empresário maranhense de Bacabal, no interior do estado.
Criado em 2020 com outro propósito, o grupo foi rapidamente convertido em base de apoio ao golpe de estado que essa pequena parcela mais fanatizada e barulhenta do eleitorado bolsonarista sonha implantar no Brasil.
Por lá, Bolsonaro ganhou a eleição no primeiro turno com, aproximadamente, 65,7% dos votos – as “provas”, compartilhadas com frequência, são tuítes, vídeos apócrifos e até um PDF em inglês divulgado pelo foragido da Justiça Allan dos Santos. Fake News grotescas, como um suposto tuíte de Lula afirmando que o “desarmamento das polícias” será uma das primeiras ações do seu mandato, a iminente extinção da Bíblia, e a afirmação de que “700 milhões de exus foram invocados para botar o homem para governar”, circulam soltas.
Para o grupo, intitulado “Intervenção Federal”, o exército brasileiro já está de prontidão para concretizar o golpe – desde que mais pessoas ocupem as ruas (veja todos os prints do grupo no fim do artigo).
Desorganizado, o grupo primeiro pedia a intervenção militar com base no artigo 142 da constituição. Depois, mudou de ideia: melhor mesmo seria uma Intervenção Federal que, segundo um print de whatsapp, assegura que o Congresso e o STF serão fechados e que Bolsonaro continuará presidente.
O silêncio prolongado de Bolsonaro após a derrota – que negociava nos bastidores com Valdemar da Costa Neto um salário vitalício e uma mansão – foi entendido por seus devotos como um recado. Para eles, Bolsonaro, que conseguiu perder a eleição mesmo com o orçamento secreto, o assédio eleitoral institucionalizado, o auxílio de R$ 600 e o aparelhamento da PRF, é um estrategista nato, com larga experiência militar. A ordem, portanto, era continuar nas ruas.
O primeiro pronunciamento de Bolsonaro, quase 48h depois do resultado da eleição, também foi recebido no grupo como uma peça intelectual repleta de subtexto. Para os bolsonaristas, o presidente foi inteligente em seu curto pronunciamento porque “não se comprometeu, aprovou os bloqueios de rodovias e não admitiu a derrota”. A mensagem estava mais uma vez entendida: o capitão tinha mandado continuar nas ruas.
Na quarta-feira (2), quando um cabisbaixo Bolsonaro divulgou um vídeo admitindo a tristeza pela derrota e pedindo textualmente o fim dos bloqueios das rodovias, os fanatizados eleitores – que não veem a hora de perder o direito de votar – também não demoraram a decifrar a mensagem escondida nas entrelinhas. Isso mesmo: continuar nas ruas. “Estratégia”, comentou um dos integrantes de fé inabalável.
Os membros do grupo estão convencidos de que redes sociais como Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp podem ser bloqueadas a qualquer momento, numa manobra do “sistema” para impedir a mobilização dos insatisfeitos nas rodovias do país. Os participantes também foram instruídos por uma fake news a seguir o perfil do Exército no Instagram e enviar uma mensagem pedindo socorro às Forças Armadas.
Para o grupo, o ministro Alexandre de Moraes pode ser preso a qualquer momento, de acordo “com uma informação que chegou agora, de fonte confiável”.
A impressão que tive nesses dias em que acompanhei a incessante troca de mensagens, muitas delas mostrando vídeos de manifestantes pedindo “calma” porque “a fraude foi comprovada” e “tudo vai ser resolvido”, é que essas interações são uma espécie de terapia de grupo para vítimas enlutadas.
Inconformados com o resultado das eleições, esses bolsonaristas preferem se desligar do mundo real, onde a transição para o novo governo já foi iniciada, e mergulhar numa realidade paralela que só existe nos grupos fanatizados de WhatsApp. Uma realidade em que Bolsonaro venceu a eleição no primeiro turno com 65% dos votos e que o ministro Alexandre de Moraes – o grande inimigo – será preso a qualquer momento porque a fraude eleitoral foi comprovada.
Uma realidade em que pessoas que berram por intervenção militar e golpe de estado são patriotas injustiçados lutando por liberdade.
Ex-candidato incita atos golpistas
Entre os integrantes do grupo que pede a tal “Intervenção Federal” está o contador Filipe Arnon, de 32 anos. Filiado ao PL de Bolsonaro, Arnon se candidatou a deputado estadual na última eleição e terminou com 9.770 votos – insuficientes para garantir uma cadeira na Assembleia Legislativa do Maranhão.
Isso, no entanto, já é passado distante para Filipe, que agora se uniu à massa histérica que quer intervenção militar ou intervenção federal, ou qualquer coisa que assegure que o resultado das urnas – as mesmas urnas que não foram gentis com ele – seja desrespeitado.
No grupo, Arnon divulga imagens convocando para atos golpistas na capital – que foram realizados em frente ao 24º batalhão, no João Paulo –, e se põe como líder do movimento que pede a intervenção federal ou intervenção militar.
Filipe Arnon não respondeu os contatos que fiz com ele enquanto escrevia este artigo. O empresário José Wilson, criador do grupo “Intervenção Federal” e dono da empresa JW Silva Serviços Gerais, também não respondeu aos questionamentos que lhe fiz. O espaço está aberto caso queiram se posicionar.
Também tentei contato com o gabinete e a assessoria do deputado Hélio Soares, presidente do PL no Maranhão, para saber qual a posição do partido sobre filiados que participam e incitam atos golpistas.
Até a publicação deste texto, não obtive retorno. Mas, caso o PL Maranhão siga a linha do diretório nacional – que tem ignorado manifestações de filiados em apoio a atos golpistas – a tendência é que Filipe Arnon não receba um mísero puxão de orelha por incitar um golpe de estado.
Veja todos os prints do grupo “Intervenção Federal”: